sexta-feira, 27 de junho de 2008

Grafitar também é fazer Ciência - Entrevista com Marcos Costa

Marcos Costa, 25 anos, natural de São Félix, interior da Bahia, é grafiteiro desde 1999. Estudante do décimo semestre de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia expõe através do grafitti nos bairros de Salvador a importância da identidade negra baiana e a necessidade de construção da cultura de paz na sociedade.

Por Mariana Sebastião e Priscila Machado

Hoje o que nós sabemos é que o grafitti é uma arte que reflete a realidade das ruas e expressa a opressão que a humanidade vive. Você como grafiteiro desde 1999, como pode nos conceituar o grafitti, qual a sua percepção dele?

Vou começar do início do meu trabalho até responder a sua pergunta. Eu já desenho desde criança. Sempre fui incentivado pelos meus pais, e aos 10 anos de idade, fiz minha primeira pichação. A primeira lata de spray que peguei, foi aos sete anos, um presente do meu pai. Quando eu tinha 10 anos, fui desafiado de forma positiva por alguns amigos na escola, que falaram “Nossa! Você desenha bem no caderno, quero ver se é bom na lata também!” Como eu não gosto muito de desafios (risos), aceitei e comecei a fazer a pichação durante cinco anos. Em 1998, quando eu já estava começando a fazer criação de camisas, pintando camisas com pincel e compressor, comecei a “curtir a onda”. Foi mais ou menos quando conheci o movimento hip-hop, em 1999, que tomei a decisão e decidi abolir a pichação e começar a fazer grafitti. Desde o início, quando o hip-hop chegou aqui em Salvador, existe realmente essa forma de protestar através do grafitti. O grafitti é um grito que as pessoas excluídas e os artistas de rua dão para toda a sociedade. Hoje em dia, com os meus quase 10 anos de grafitti, passei por diversas transformações, desde pintar com material improvisado, como tintas automotivas e de sapato, até hoje, com material importado, com muito esforço, com muita luta. O grafitti chegou a Salvador na década de 1990 embalado pelo hip hop. Hoje em dia podemos observá-lo em diversas vertentes. Tem o grafitti de protesto, o futurista, que gosta de desenhar pessoas voando, bicho misturado com gente, uma coisa meio antropofágica, tem o realista e o que na minha visão não é grafitti, mas está nas ruas que é o decorativo. É apenas para alegrar, não comunica, não critica, não protesta, mas existe. É importante falar que o grafitti é uma arte excluída, ainda é vista com maus olhos, mas pelo que era antes, já está bem melhor. Infelizmente está virando moda, mas de certa forma está sendo interessante porque está abrindo os olhos de muitas pessoas para essa questão. Agora precisamos começar a tratar de políticas ligadas a essa área. Por exemplo, existe uma lei ambiental que é muito velha, se eu não me engano é de 1995, que classifica o grafitti e a pichação como coisas iguais, não estabelece nenhuma separação com relação a elas duas, e proíbe ambas como pena de degradação ao patrimônio público, de poluição visual, como se tivesse comprometendo a ordem natural da sociedade. Mas como dizia Raul Seixas, “Quem não tem papel dá recado pelo muro”. O grafitti está na surpresa, está no anonimato. O grafitti é você surpreender o dono do muro com o seu trabalho. Ele pode até não gostar, mas vai ficar surpreso, porque não sabia o que ia acontecer.

Como foi despertada essa paixão pelo grafitti?

Eu vim do interior da Bahia, de São Félix, de uma família carente, com condições sociais baixas. Minha família sempre priorizou a questão de estudarmos, de fazer o que gostamos e nos desenvolvermos bem. Não fui o melhor filho do mundo nem um exemplo de cidadão, porque eu também pichei muito. Mas foi isso que me incentivou a fazer o grafitti. Quando eu decidi começar o grafitti, apaguei várias pichações que tinha feito na escola. Nessa época, a diretora conseguiu um projeto de pinturas para o colégio. Foi ótimo porque não fui apenas castigado, mas houve um outro viés. Por isso a escola também foi importante na construção desse meu trabalho. Eu tive sorte de estudar em escolas públicas me deram esse incentivo. Hoje fico muito alegre em passar isso a várias crianças em comunidades através de projetos como o “Caminhar”, o “Cidadão” e outros. Muitos deles não sabem desenhar e acabem pichando, então é bom mostra-los que existe um outro caminho em que isso não é necessário.

Nas suas produções, por que essa preocupação com os problemas sociais e com a afirmação dos valores da África?

É uma questão de identidade. Eu procuro sempre expressar o que sinto, o que penso, o que pesquiso. Quem está na rua não tem o costume nem o incentivo de freqüentar galerias, então nós grafiteiros fazemos arte na rua tornando-a uma galeria ao ar livre, proporcionando-a a diversas pessoas, independente da sua camada social. A questão de trabalhar a identidade da cultura africana é expressar certos conceitos que são fundamentais para o desenvolvimento das pessoas na contemporaneidade e voltar ao início. Quando eu falo de África, falo da minha família, por isso assino meu próprio nome, Marcos Costa. Não tenho pseudônimo. Só tinha na época da pichação. Com isso estou homenageando a minha família, respeitando os mais velhos. São valores que os mitos e a cultura africana construíram e eu aprovo totalmente por acreditar que eles são fundamentais para o desenvolvimento social. Então falar da África e dos seus valores é falar da origem do universo. Por isso eu procuro estar sempre contribuindo na auto-estima dos afro-descendentes, que é fundamental na formação do cidadão atual. Estou dando a minha contribuição artística, social, educativa, como ser humano.

Na sua atual produção, a AFROGRAFITTI, que está sendo exposta até o dia 18 de maio na Casa do Comércio, você buscou uma harmonia entre o grafitti e objetos artesanais feitos com o cipó e a palha, típicos da cultura baiana. O que você quer transmitir ao seu público a partir dela?

O AFROGRAFITTI é um trabalho que venho desenvolvendo, sobretudo pesquisando a técnica de aplicação do spray sobre a maior diversidade de materiais possíveis, sobre várias superfícies. Busco uma integração do meu grafitti de temática afro-brasileira com objetos artesanais que já foram manuseados por indígenas e negros e possuíam uma finalidade usual, dando a esses objetos uma nova possibilidade de uso, fazendo deles suporte para minha pintura. São esteiras, peneiras, mandalas de cipó caboclo e cipó de maracujá e os mujais, que são para uso em rios. Todos são ligados à nossa cultura baiana. O público está “curtindo” de verdade essa proposta porquê eu falo da identidade negra e também uso o suporte que tem a identidade negra baiana. Ao mesmo tempo, chamo atenção para a maior feira livre da América Latina, a Feira de São Joaquim. Todos os objetos que estão na exposição são encontrados lá, e as pessoas da sociedade não olham para eles como forma artística. São usuais, mas tem todo o trabalho de trançar cada palha, cada cipó daquele. Chamo atenção para todos esses detalhes, o objeto, a obra, a feira, que é uma forma de resistência da cultura negra e baiana por ter grande história. É uma grande conquista para aquelas famílias que se desenvolvem na feira e perpetuam a continuidade de ser feirante. Passam a profissão de pai para filho. É o segundo trabalho que eu faço ligado à feira de São Joaquim. O primeiro foi em 2004, que foi uma pesquisa da Universidade Coletiva, e abrangeu as áreas de artes visuais e música. Essa edição da AFROGRAFITTI é apenas a primeira. Virão outras. Vou diversificar. A temática estará sempre direcionada à África, vou modificar os formatos, tipos etc.

Conte-nos um pouco sobre o convite que recebeu do programa Fantástico para participar do quadro “Novos Olhares”:

Participei do quadro no ano passado. Ele tratava de respeito e afirmava valores verdadeiros da liberdade de expressão, valores do respeito mútuo, pautado em questões sobre o respeito, a diversidade da cultura de paz, o respeito aos elementos da natureza. Através da direção da Escola de Belas Artes, o Fantástico estava procurando artistas com esse perfil de trabalho e me indicaram. Eles vieram a Salvador, fizemos algumas gravações, saímos nas ruas, pintei alguns muros e eles fizeram uma entrevista comigo. A temática do quadro era “minorias e direitos civis”, então eles abordaram a questão do racismo e de como a minha arte contribui para a diminuição ou o combate a ele. A reportagem saiu em abril de 2007.

Por que utiliza o cachorrinho “Boca Preta” como sua identificação quando pinta em algum lugar?

Eu vejo características entre o cachorro e o grafiteiro. Todo lugar que o grafiteiro vai, deixa sua marca. Eu por exemplo, todo lugar que vou, levo a minha latinha na mochila para pintar. A mesma coisa é o cachorro. Ele sempre está demarcando o seu território, urinando aqui e ali e deixando sua marca. Eu tive um cachorro na minha infância que se chamava Boca Preta. Era vira-lata, bem malandro, mas protegia bastante a gente, estava sempre atento a todos os movimentos. Então resolvi adotar o nome Boca Preta, que era do meu cachorro. Meus pais quando souberam ficaram muito felizes. Ele está nas ruas, entra em algumas produções artísticas. Não é peça principal, mas é uma marca e traduz de verdade a identidade do grafiteiro.

Em todos esses anos, que experiências você colheu do mundo artístico?

Aprendi que o artista tem que estar sempre se desafiando. Se ele achar que sabe tudo, que já chegou ao ápice tem que morrer. Tem que estar sempre se investigando e se superando. Não é concorrendo, brigando com ninguém. Já passei por muita coisa na minha vida. Já vendi picolé, lanche na porta da escola. Minha família é muito humilde. Aprendi que tenho uma identidade e não posso ser contra ela, nem jogar contra ela. Devemos aproveitar as dificuldades que temos na vida para nos fortalecer e ajudar a outras pessoas a crescerem também. É fundamental as pessoas se ajudarem mutuamente. Acredito nisso, e graças a Deus está acontecendo, porque a identidade é fundamental.

Entrevista feita no dia 10 de maio de 2008

Um comentário:

Renato Soares disse...

show de bola, parabéns pelo incentivo!